Dia1
Onde estás?
Dia 2
Os cortinados estavam abertos e adormeci encostado ao vidro da minha janela na esperança de um vislumbre. Vou partir em duas horas e queria ver-te! Onde estás?
Dia10
Voltei hoje e o porteiro do teu prédio deixou-me subir até ao teu apartamento onde tudo estava vazio.
Procurei o sofá onde estava habituado a ver-te baloiçar o pé enquanto lias, a poltrona onde terminavas de te vestir permitindo-me assistir ao ritual e aquecendo-me por todo o dia. Não restou nada.
O ar estava saturado de uma essência que não era a tua e o oxigénio foi-me sugado dos pulmões até só restar o medo de não saber respirar e não ver um único indício de que estiveste ali.
Onde estás? Porque desapareceste no caminho da capela até ao jardim? Ninguém sabe de ti desde que falaste com a rapariga de cabelo cor-de-rosa...
ONDE ESTÀS? POR FAVOR, PRECISO DE RESPIRAR!
...
Que estúpida ideia a minha de achar que conseguia ficar longe de tudo aquilo!
O Serge decidiu que a melhor forma de compensar a minha longa estadia hospitalar era ir ao bar do costume, onde trabalhei meses a fio quando achei que não podia continuar a vida que escolhi na adolescência.
Com as calças de cabedal castanhas, as únicas que restaram do meu guarda-roupa, e uma camisa branca, que a José me emprestou, entrei no único espaço onde pôde ser eu desde os 16 anos. Onde me partiram o coração, me ensinaram a jogar snooker, a tocar viola, onde apanhei as mais valentes doses de elevadas cargas etílicas, onde todos sabiam o meu nome verdadeiro.
Entre conversas acabei no palco com a banda que tantas vezes acompanhei como coro... ainda namorava com ele.
Ele, que supostamente não estaria por lá, aquele que me partiu o coração e me fez sentir realmente só... e das últimas pessoas que eu quereria ver(em qualquer dia do mês, do ano ou da estação) estava sentado ao balcão enquanto eu cantava Biff Naked- Lucky.
Acho que o cérebro congelou e fiquei sem saber o que pensar... felizmente a voz contiunou a funcionar lindamente e quando a música terminou... eu, digna de todos os prémios de desempenho... dirigi-me à mesa onde estavam os meus amigos e antigos companheiros de vida!
Bebi shots sob o olhar atento do Serge, as risadas pelas piadas do costume, os sussurros acerca do infâme que me partiu o coração, os suspiros da Patt pelo novo romance, o olhar amoroso e agradecido da Lu e da culpa estampada no rosto do Paulo.
O George pediu-me que fizesse mais alguns coros... e com o meu desempenho brilhante fingi que ele não estava em palco, que eu nunca tinha estado com ele, que não tinhamos vivido juntos e eu não me tinha desiludido e quebrado em pedacinhos tão pequenos que só passados tantos dias tinha voltado a sentir novamente!
Olhei para a mesa, enorme, onde estava o meu grupo e ... qual cena de novela... lá estava ele:Sean!
Dia 60
Após 59 dias sem ti lá estavas: num canto do palco com mais duas raparigas a cantar.
A cantar! Ela canta, canta mesmo!
Consegui finalmente respirar. Sentei-me sem conseguir despregar o olhar do palco e acho que a lei gravidade mudou de direcção porque eu sentia-me atraído para ti. Não para baixo, directamente a ti!