“You feed yourself. Make sure you have all the information, whether it's aesthetic, scientific, mathematical, I don't care what it is. Then you walk away from it and let it ferment. You ignore it and pretend you don't care. Next thing you know, the answer comes.”-Ray Bradbury
Quando entrei no carro as gotas de chuva deslizavam como lágrimas grossas e sentidas por todas as superfícies ao meu redor! O interior cheirava a flores frescas (as janelas tinham ficado abertas) e os bancos traseiros estavam salpicados. Uma manhã feliz com um começo choroso, não deixava de ser irónico e realmente típico… era como a vida… sempre ao contrário… nada de sinais sinónimos… mas muitos controversos e antónimos. Era a vida… numa das poucas regras iguais para todos os seres humanos.
Fui a primeira a chegar ao café, a primeira a pedir e a ser servida e quando todos os outros chegaram eu ainda sentia o calor da tua respiração no meu umbigo. Enquanto falávamos do último livro que tínhamos combinado ler para o nosso clube eu ria interiormente. A Teresa falava do Ray Bradbury como se fosse um condenado ímpio da compreensão dos restantes mortais, a Rita como sempre não tinha lido o livro todo, o Daniel, o Paulo e o Pedro reclamavam com ela e com a Teresa. O Tomé olhava para mim cúmplice, tinha partido dele a proposta, logo secundada por mim logicamente!
- Importaste de dizer algo de construtivo Tomé? Ou a Ana, a Ana podia dizer algo! – Pedia já desesperado o Tiago.
Com a cara mais séria e contendo a custo um sorriso lá me saiu:
-“At
A Teresa largou o scone aproximou-se de mim e de uma forma que só ela conseguia proferiu:
- Ela hoje não dormiu! Tem na cabeça a germinar ideias… hum…
Olharam todos para mim. Era verdade tinha dormido muito pouco e se eles soubessem do restante…
Enquanto dormias reparei no aro pálido do teu dedo anelar, era a primeira vez que íamos à tua casa e que ficávamos juntos mais que umas horas. Passados alguns minutos da minha aparente descoberta eu saia da tua casa deixando o seguinte bilhete sobre a almofada emprestada sobre o tapete em frente à lareira, que alimentei de madeira:
Não gostaria que a tua esposa aparecesse e encontrasse coberta e aquecida pelo deu mais que tudo alguém que não ela. Saí e não deixei nenhum vestígio meu à excepção do bilhete, que agradecia que queimasses! As maiores felicidades e da próxima vez não tragas à casa da tua esposa outra mulher, existem hotéis!
- Sim dormi pouco mas o Bradbury não tem nada com isso! Estava a pensar na ironia que se mantém: Montag é um bombeiro que queima, por ordem do governo, livros! Odeia-os! Esta dicotomia só por si é notória, um bombeiro que ateia fogos! Vive numa sociedade fútil que vive para a televisão, não lê porque é proibido e não conversa sobre sentimentos…quando querem denunciar um leitor colocam o seu nome na caixa do quartel de bombeiros e assim destroem uma vida! Tudo isto… é irónico… cobarde e pérfido!
- Ahhhhhhhh…o livro é sobre isso? Pensava que ele se apaixonava pela miúda do lado e deixava a mulher que tinha aqueles ecrãs todos de televisão! – dizia a Rita.- Ana, vou começar a ler os livros inteiros! Contem-me lá o resto!
O Tomé ria-se e lá lhe contou. A Teresa continuava a bater na mesma tecla: malvado Bradbury! Ímpio!
O Pedro, o Tiago e o Daniel mantinham com ela uma conversa paralela e o Paulo insistia com ela que estávamos a discutir o Fahrenheit 451 e não outros livros ou contos. Eu ria interiormente pois parecíamos um bando de tolos que não sabiam o que diziam: funcionávamos no caos. A mim o que me incomodava era o facto de ter feito parte de uma ironia da vida e não me sentir triste, frustrada. Só estava zangada por não ter podido decidir com conhecimento… ter sido enganada!
A Rita suspirou finalmente quando lhe contaram o fim do livro!
-Poético! Justiça poética… ainda bem que ele sobrevive… coitado!
- Se pensarem bem… não estamos muito longe deste mundo ficcionado!
Eles olharam-me como se a noite em claro me tivesse adormecido os neurónios.
- Reflictam comigo: Actualmente quantas pessoas conhecem que escrevam, telefonem a dizer que têm saudades? Quantos dizem o que pensam ou conversam só porque lhes apetece? E ler? Bem, poucos lêem! Somos culpabilizados pelo tempo que passamos a ler e não num ginásio, num solário…
O Tiago completou:
- … Realmente corremos o risco de numa década próxima alguém escrever uma crónica com um teor idêntico… com graus Fahrenheit para os inglese e americanos e Celsius para os europeus e restantes. Seremos as gerações pós Bradbury que queimaram sem fogo o pensamento…e tudo o resto…
Parámos para pensar… e ficamos em silêncio…
Enquanto dormias… eu estava entre amigos… a queimar não os sentimentos mas a culpa por algo de que não sabia…Os meus pensamentos formaram-se sozinhos e descobri em poucos minutos aquilo que a minha mente já sabia fragmentariamente: o aro pálido no teu dedo anelar esquerdo tinha um significado!
“You